Nos últimos dez anos, o aumento da despesa com medicamentos pode ser atribuído, de um modo geral, à inovação, com a introdução de terapêuticas mais dispendiosas, e ao aumento da procura, em resposta a uma sociedade mais envelhecida e com uma prevalência crescente em doenças crónicas. Com o pressuposto de que a concorrência de mercado não garante preços acessíveis por si só – sobretudo num mercado tão regulado – surgiu a necessidade de implementação de medidas regulamentares que promovam mais acesso das pessoas com doença aos seus tratamentos.1
A introdução de medicamentos genéricos no mercado teve um efeito positivo e significativo na redução dos preços dos medicamentos e demonstrou que estes são um fator-chave para fomentar a concorrência no mercado farmacêutico. O setor farmacêutico é fortemente regulado, em especial nos medicamentos sujeitos a receita médica. No mercado concorrencial de medicamentos genéricos, existe a obrigatoriedade legal, face à dispensa de um medicamento, de informar as pessoas da possibilidade de optar por uma alternativa genérica.2
Neste âmbito, os farmacêuticos desempenham um papel fundamental na promoção da substituição por medicamentos genéricos, que garantem a mesma qualidade, eficácia e segurança terapêutica, com importantes poupanças para o Estado e para os utentes, contribuindo também para uma melhor adesão dos utentes aos seus tratamentos.
Em Portugal, durante o ano de 2014, foi liderada pelo Ministério da Saúde (MS) a preparação de um regime de incentivos à dispensa de medicamentos genéricos, envolvendo as várias partes interessadas, tendo sido estimado um potencial de poupança pelo crescimento do mercado de genéricos.3 Tal permitiu demonstrar ao SNS a possibilidade de partilhar com as farmácias parte da poupança com medicamentos genéricos, sem penalizar os utentes. A criação desse regime específico assentava também na importância de dar estabilidade e previsibilidade a este mercado, estabilizando as oscilações abruptas de preço e consequentes riscos de rutura de abastecimento.
Em 2015, o MS implementou um modelo de incentivos, através da Portaria n.º 18-A/2015, de 2 de fevereiro, com duas modalidades complementares e cumuláveis entre si, mas cujo pagamento às farmácias ficou dependente do crescimento da quota nacional de genéricos no mercado total, face ao período anterior.4 Os resultados do apuramento deste regime, durante um ano, resultaram num valor total a atribuir às farmácias de 453 mil euros. Este valor, manifestamente inferior às expectativas, resultou num desincentivo para as farmácias no esforço para aumento da quota de genéricos (estagnação da quota de genéricos em 47% face à estimativa inicial de 53%), com custos associados a perdas na sua remuneração pela dispensa destes medicamentos em alternativa às marcas.
O insucesso deste modelo de incentivos levou à sua revisão e, em 2016, foi publicado um novo regime de incentivos à dispensa de genéricos (Portaria n.º 262/2016, de 7 de outubro5, alterada pela Portaria n.º 188/2018, de 29 de junho6, que estabeleceu a inclusão de IVA no valor total de incentivos). O novo regime regula a atribuição de uma remuneração específica às farmácias pela dispensa de cada embalagem de medicamento comparticipado inserido em grupos homogéneos com preço igual ou inferior ao 4.º preço mais baixo. Adicionalmente, está contemplada a devolução, pelas farmácias, do valor excedente de incentivos pagos, face à poupança estimada alcançada pelo SNS através da redução dos preços de referência, apurada de forma trimestral. Contudo, nos trimestres em que a poupança fosse superior aos custos, o SNS não creditaria a favor das farmácias.
Este novo regime apresentou aspetos positivos, como a geração de poupanças e sua partilha com as farmácias, promovendo o mercado de genéricos e consequente aumento da quota (que estava estagnada). Por outro lado, apresentou limitações que fazem com que a sua formulação atual se encontre esgotada e que importa revisitar, como a subestimação do real impacto com a dispensa de genéricos, ignorando a poupança permanente e acumulada do Estado e a própria poupança dos utentes. Não reconhece também o esforço das farmácias na manutenção da utilização de medicamentos genéricos por parte dos utentes e não compensa adequadamente a quebra de margem da farmácia pela dispensa de medicamentos mais baratos.
1. Ewbank L, David Omojomolo, Kane Sullivan, et al. The rising cost of medicines to the NHS: What’s the story? 2018. https://www.kingsfund.org.uk/publications/rising-cost-medicines-nhs (accessed 12 Jul 2023). 2. Drozdowska A, Hermanowski T. Exploring factors underlying the attitude of community pharmacists to generic substitution: a nationwide study from Poland. Int J Clin Pharm 2016;38:162–70. doi:10.1007/s11096-015-0227-8. 3. Ministério da Saúde. Decreto-Lei n.o 19/2014, de 5 de fevereiro. 2014. 4. Ministérios das Finanças e da Saúde. Portaria n.o 18-A/2015, de 2 de fevereiro. Portugal: 2015. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/portaria/18-a-2015-66414246 (accessed 12 Jul 2023). 5. Ministérios das Finanças e da Saúde. Portaria n.o 262/2016, de 7 de outubro. 2016. 6. Ministérios das Finanças e da Saúde. Portaria n.o 188/2018, de 29 de junho. 2018.