Dimensão I

As situações clínicas ligeiras são problemas de saúde de carácter não grave, autolimitados, de curta duração e que não apresentam relação com manifestações clínicas de outros problemas de saúde. Mundialmente, estas afeções representam uma fonte relevante de sobrecarga sobre os sistemas de saúde.1 Por exemplo, no Reino Unido (UK), cerca de 18% da carga de trabalho está relacionada com a gestão de situações clínicas ligeiras, passíveis de serem geridas por profissionais não médicos, incluindo os farmacêuticos, nas farmácias comunitárias. No UK, constata-se que cerca de 8% das visitas às urgências hospitalares são motivadas por situações clínicas ligeiras, representando um encargo de cerca de 136 milhões de libras por ano.1

De um modo geral, a crescente pressão sobre os cuidados de saúde primários e urgências hospitalares reitera a necessidade de aumentar a eficiência dos serviços de saúde e alocação de recursos. Durante a pandemia COVID-19, em toda a Europa, foram implementadas medidas para aumentar a resposta à crise de saúde pública, acompanhadas por uma desaceleração ou suspensão temporária de outros cuidados hospitalares não urgentes. Em Portugal, em 2021, contabilizaram-se 5,4 milhões de episódios de urgência no SNS (+14,1% face a 2020), correspondendo a cerca de 53 episódios por cada 100 habitantes. Destes, 44% foram triados com níveis de prioridades baixos (azul, verde e branco). Em 62,1% das situações não urgentes foi cumprido o tempo máximo de resposta garantido e apenas 9,2% geraram internamento. O aumento do número de visitas aos serviços de urgência obriga os hospitais a redirecionar recursos destinados à atividade programada, aumentando as listas de espera e dificultando o acesso a cuidados de saúde.2,3

Nesta perspetiva, a transferência da resposta a um conjunto de situações clínicas ligeiras para contextos de cuidados primários e de proximidade é uma medida que concorre para diminuir a sobrecarga sobre os cuidados secundários, promovendo simultaneamente a equidade no acesso aos cuidados de saúde e uma maior eficiência do sistema de saúde.4-6

Dentro do seu enquadramento legal e em articulação com os restantes serviços de saúde, as farmácias devem reforçar o seu grau de diferenciação de competências profissionais e capilaridade num modelo mais efetivo de gestão de situações clínicas ligeiras, mediante protocolos devidamente estabelecidos. O apoio à pessoa no processo de autocuidado e a literacia em saúde saem também reforçados por estas intervenções, estimulando a autonomia da pessoa para tomar decisões fundamentadas sobre a sua saúde e bem-estar e, por conseguinte, a centralidade do utente no sistema de saúde.2,4,5-7

A efetividade da gestão de situações clínicas ligeiras em contexto de proximidade, assim como seu o impacto positivo na economia do sistema de saúde e na saúde pública, tem vindo a ser demonstrada em diversos estudos, realizados em países como o Reino Unido e o Canadá. Nestes casos, as competências dos farmacêuticos permitem-lhes intervir de forma abrangente, desde a avaliação clínica da situação de saúde, até à dispensa de medicamentos e produtos de saúde que materializem a abordagem terapêutica necessária. Desta forma, e sempre que possível, é evitado o recurso a outros serviços de saúde, ou é realizado o encaminhamento e orientação do cidadão no sistema de saúde.5,7

No Reino Unido, tem-se verificado um esforço governamental para transformar e reestruturar os serviços de saúde no sentido de prestar cuidados mais próximos da comunidade, capacitando os farmacêuticos para assumirem um papel mais amplo na prestação de cuidados de saúde. É um dos exemplos na Europa, no que diz respeito à prestação de serviços de saúde em contexto de farmácia comunitária, tendo o relatório National Health Service (NHS) England - Five Year Forward View destacado que as pessoas devem visitar as farmácias comunitárias, em situações não urgentes, em vez de acederem aos serviços de urgências dos hospitais.5,8 Recentemente, foi anunciada a atribuição de 645 milhões de libras pela prestação de serviços em farmácia comunitária até ao final de 2025, com o objetivo de expandir os serviços farmacêuticos prestados e as ferramentas tecnológicas que permitem o acesso a informações clínicas relevantes do registo do médico de família, e irão permitir partilhar atualizações estruturadas de forma rápida e eficiente após uma consulta farmacêutica para o registo do doente no médico de família.9 Prevê-se que estes serviços aliviem a pressão no NHS através da redução de até dez milhões de consultas por ano, o equivalente a cerca de 3% do total de consultas. A expansão do papel das farmácias comunitárias ocorre na intervenção em sete novas situações clínicas ligeiras (sinusite, dor de garganta, dor de ouvido, picada de inseto infetada, impetigo, herpes zoster e infeções do trato urinário não complicadas em mulheres), através do serviço Pharmacy First e reforço dos serviços de dispensa de contraceção oral e controlo da pressão arterial. Portanto, as farmácias comunitárias, devido à sua capilaridade e aos profissionais altamente qualificados, têm capacidade para se afirmarem enquanto porta de entrada no sistema, ajudando na triagem dos casos, direcionando-os para o nível de cuidados que seja mais eficiente. Nessa medida devem ser ainda ser desenvolvidas as ferramentas eletrónicas necessárias para o agendamento de consultas médicas nos centros de saúde, pelo farmacêutico, na farmácia. Pretende-se que a rede de farmácias seja encarada como um pilar de referência na resposta às situações clínicas ligeiras, através da disponibilização de um serviço estruturado, com valor demonstrado para as pessoas e para o sistema de saúde, de forma integrada com as restantes respostas.

1. Watson M. Community Pharmacy Management of Minor Illness Final Report. 2014. https://pharmacyresearchuk.org/wp-content/uploads/2014/01/MINA-Study-Final-Report.pdf2. Félix J, Ferreira D, Afonso-Silva M, et al. Social and economic value of Portuguese community pharmacies in health care. BMC Health Serv Res 2017;17:1–12. doi:10.1186/ S12913-017-2525-4/TABLES/2. 3. Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). Relatório de Primavera 2022: E agora? 2022. https://www.opssaude.pt/relatorios/relatorio-de-primavera-2022/4. OECD (2021). Health at a Glance 2021: OECD Indicators. 2021. doi:10.1787/ae3016b9-en. 5. Pharmaceutical Group of the European Union. Pharmacy 2030: A Vision for Community Pharmacy in Europe. Brussels: 2019. 6. Yusuff KB, Makhlouf AM, Ibrahim MI. Community pharmacists’ management of minor ailments in developing countries: A systematic review of types, recommendations, information gathering and counselling practices. Int J Clin Pract 2021;75. doi:10.1111/ijcp.14424. 7. Policarpo V, Romano S, António JHC, et al. A new model for pharmacies? Insights from a quantitative study regarding the public’s perceptions. BMC Health Serv Res 2019;19:1– 11. doi:10.1186/s12913-019-3987-3. 8. NHS England. Five year forward view. 2014. 9. NHS England » Delivery plan for recovering access to primary care. https://www. england.nhs.uk/long-read/delivery-plan-for-recovering-access-to-primary-care-2/ (accessed 6 Sep 2023).

Implementação de um serviço estruturado de identificação e tratamento de situações clínicas ligeiras na farmácia comunitária, com recurso a protocolos de intervenção farmacêutica e referenciação para outros níveis de cuidados de saúde das situações que não forem passíveis de resolução na farmácia.

Desenvolvimento de ferramentas de suporte à intervenção e capacitação profissional para a utilização dos MNSRM-EF pelos farmacêuticos comunitários.

Realização de testes rápidos ou outras intervenções complementares que sustentem a avaliação de situações clínicas ligeiras e a dispensa de terapêutica protocolada, aconselhamento de medidas não farmacológicas ou apoio nos autocuidados;

Definição de modelos de remuneração sustentáveis para a prestação de serviços farmacêuticos.

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

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