Dimensão I

Segundo a OCDE, em 2050, um quarto da população dos seus países-membros terá 65 ou mais anos. Em Portugal, estima-se que este grupo populacional tenha ainda mais expressão – cerca de 34%, o que representa um aumento de 44% em relação à estrutura da população em 2023.1

Face a estas projeções, é também previsível o aumento da carga da doença, o que determinará um aumento da procura por cuidados de saúde nas próximas décadas. Assim, reforça-se a necessidade de os governos nacionais reconfigurarem os seus sistemas de Saúde, de modo a garantir a sua sustentabilidade e a provisão de cuidados de saúde acessíveis, eficazes e com qualidade para as pessoas que vivem com patologias crónicas.2,3 Uma das estratégias apontadas para promover a sustentabilidade do sistema de saúde tem sido a descentralização dos cuidados de saúde, com vista a reduzir a pressão sobre os hospitais, através da transferência de cuidados para a comunidade/cuidados de saúde primários, ou mesmo para o domicílio, e da melhor articulação entre níveis de cuidados, setores (público, privado e social/cooperativo) e profissionais de saúde. No modelo descentralizado, os cuidados continuados e paliativos e a domiciliação assumem maior preponderância, tal como a personalização dos cuidados. Aliás, a aposta nos cuidados de saúde domiciliários e na saúde digital associada a esses cuidados é recomendada “não só para libertar recursos dos hospitais”, mas também porque o tratamento e a recuperação da pessoa são favorecidos quando esta se encontra inserida no seu contexto habitual.4

Não obstante a sua pertinência, a transferência de níveis de cuidados reveste-se de alguns desafios. Por exemplo, a tendência de crescimento da morbilidade e multimorbilidade será acompanhada pelo aumento da utilização de medicamentos e da polimedicação, que introduz complexidade à gestão da terapêutica e da doença e aumenta o risco de incidência de problemas relacionados com medicamentos (PRM). Isto é particularmente relevante no contexto domiciliário, uma vez que as pessoas têm menor acesso, ou menos direto, ao profissional de saúde.

Neste sentido, propõe-se que a farmácia intervenha no acompanhamento das necessidades da comunidade através da implementação de serviços de apoio ao domicílio. Segundo a Portaria n.º 38/2013, de 30 de janeiro, o apoio domiciliário “consiste na prestação de cuidados e serviços a famílias e ou pessoas que se encontrem no seu domicílio, em situação de dependência física e ou psíquica e que não possam assegurar, temporária ou permanentemente, a satisfação das suas necessidades básicas e ou a realização das atividades instrumentais da vida diária, nem disponham de apoio familiar para o efeito”. Entende‑se por Cuidados Domiciliários (CD) “o conjunto dos serviços, prestados por profissionais de saúde, que permite aos utentes, total ou parcialmente incapacitados, viver em suas casas, com o objetivo de prevenir, atrasar ou substituir os cuidados de longa duração e/ou a necessidade de cuidados agudos”.5

Pela proximidade com a comunidade e pelo histórico de conhecimento e competências na prestação de serviços no contexto da farmácia comunitária, o farmacêutico encontra-se em posição de, em complementaridade com as restantes estruturas de cuidados na comunidade e articulação estreita com outros profissionais, intervir junto de utentes domiciliados e dos seus cuidadores, na capacitação das pessoas e na prestação de cuidados de saúde, através de ferramentas e competências baseadas na evidência, promovendo ganhos em saúde e bem-estar.6-9

Em Portugal, e também a nível internacional, as farmácias já prestam serviços de dispensa, de consultoria e educação/formação ao domicílio, que incluem:5-10

– Serviços de dispensa para entrega ao domicílio de medicamentos, produtos de saúde e dispositivos médicos;

– Serviços farmacêuticos, como a revisão terapêutica ao domicílio, a preparação individualizada da medicação (PIM), a reconciliação terapêutica após alta hospitalar ou a monitorização de parâmetros bioquímicos, assim como sinais e sintomas da doença, entre outros;

– Disponibilização de serviços prestados por outros profissionais de saúde, como sejam os serviços de enfermagem (ex. tratamento de feridas, consulta do pé diabético);

– Promoção da literacia em saúde e do autocuidado.

Em virtude da maior morbilidade, os principais destinatários dos cuidados domiciliários serão, naturalmente, as pessoas idosas. Este tipo de cuidados terá também o seu papel junto de qualquer outro grupo etário que se encontre, temporária ou permanentemente, em situação de doença que motive a permanência em casa.11

Além da intervenção a nível individual/particular, também as diversas instituições da comunidade – como as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPIs) – poderão beneficiar de serviços farmacêuticos de suporte prestados pela farmácia comunitária, como informação e formação sobre farmacoterapia, implementação de sistemas de garantia de qualidade para a terapêutica medicamentosa, revisão periódica da medicação ou, como acontece mais frequentemente, o fornecimento de serviços de PIM.5

Um exemplo internacional destes serviços prestados às instituições é o Safe Medication Support Service, na Finlândia, que prevê o acompanhamento dos utentes institucionalizados com vista a uma utilização mais segura e efetiva dos medicamentos.3

Dada a amplitude dos serviços ao domicílio, as farmácias devem ajustar a sua oferta de serviços e produtos, tendo por base o contexto onde se encontram inseridas e de modo a complementar e/ou reforçar os restantes serviços disponibilizados pelo sistema de saúde.8,9 Com efeito, este serviço permite às Farmácias reforçar o seu papel na garantia da equidade no acesso à saúde e coesão territorial, nomeadamente das pessoas em situações de maior vulnerabilidade.

Do ponto de vista do posicionamento profissional, este serviço permitirá ao farmacêutico comunitário não só estreitar os seus laços com a comunidade, através da abordagem centrada no utente, como também desenvolver-se profissionalmente, adquirindo novas competências e formas de integração com o sistema de saúde.

A implementação de serviços farmacêuticos de cuidados ao domicílio irá contribuir para a otimização da eficiência do sistema de Saúde, respondendo às necessidades das várias fases da vida do indivíduo, promovendo o acesso equitativo da população a profissionais de saúde especializados.

1. OECD. Population Projections. 2023. doi:10.1007/978-3-319-23255-3_9. 2. Pharmaceutical Group of the European Union (PGEU). Position on Affordability of Medicines and Health Systems Sustainability. 2020. 3. International Pharmaceutical Federation (FIP). Patient safety. Pharmacists’ role in medication without harm. The Hague: 2020. https://www.fip.org/file/4757. 4. Partnership for Health System Sustainability and Resilience: Recomendações para Portugal. https://www.astrazeneca.pt/content/dam/az-pt/PDFs/Recomendações_PT. 5. Iglésias Ferreira P, Mateus Santos H. Cuidados Farmacêuticos Domiciliários: uma necessidade, um serviço clínico, uma oportunidade. Boletim do CIM - Revista da Ordem dos Farmacêuticos 2011. 6. OECD (2021). Health at a Glance 2021: OECD Indicators. 2021. doi:10.1787/ae3016b9-en. 7. Ayele AA, Islam MS, Cosh S, et al. Involvement and practice of community pharmacists in maternal and child health services: A systematic review. Research in Social and Administrative Pharmacy 2021;17:643–52. doi:10.1016/j.sapharm.2020.07.035. 8. The Pharmacy Guild of Australia. Community Pharmacy Roadmap Program Development Template: Maternal and Infant Services. 2021. https://www.guild.org.au/__data/ assets/pdf_file/0019/5671/mothers-and-infants-services.pdf9. Ayele AA, Cosh S, Islam MS, et al. Role of community pharmacy professionals in child health service provision in Ethiopia: a cross-sectional survey in six cities of Amhara regional state. BMC Health Serv Res 2022;22:1259. doi:10.1186/s12913-022-08641-8. 10. International Pharmaceutical Federation. Use of medicines by the elderly: The role of pharmacy in promoting adherence. The Hague: 2018. www.fip.org (accessed 7 Jul 2023). 11. Kawana M. Support for Children with Difficulties in Living at Home: The Role of Community Pharmacies in Pediatric Home-care Systems. YAKUGAKU ZASSHI 2020;140:859–67. doi:10.1248/yakushi.19-00237-3.

Definição, implementação e desenvolvimento de novos serviços de apoio ao domicílio prestados pelas farmácias.

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

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