Face aos desafios de sustentabilidade que os sistemas de saúde enfrentam mundialmente e à evolução da intervenção da farmácia comunitária para outros modelos de serviço (passando a prestar mais serviços à comunidade) está identificada a necessidade de atualização dos modelos remuneratórios das farmácias, de modo a que passem a refletir a evolução do papel clínico da farmácia e do farmacêutico para além do papel da dispensa tradicional.1
Em muitos países, as margens da distribuição são fortemente reguladas para responder à necessidade de controlar a despesa pública em saúde, mas assegurando um elevado nível de proteção da Saúde Pública e individual, sobretudo no segmento dos MSRM.2 Em Portugal, os preços máximos são fixados e a remuneração das farmácias apresenta-se ligada ao preço por uma componente fixa e uma componente percentual num sistema de margens regressivas.
A revisão do sistema de margens, em 2012, decorrente da assinatura do Memorando de Entendimento (MdE) com a Troika, condicionou uma diminuição sucessiva nas margens reguladas das farmácias nos últimos anos. Este efeito combinado resultou numa diminuição de margens de 242 milhões de euros entre 2010 e 2019, o que ultrapassou em muito os objetivos estabelecidos pela Troika. Como resultado, 27,4% das farmácias enfrentam graves dificuldades financeiras (234 delas declaradas insolventes e 566 em processo de penhora, segundo dados de dezembro de 2022).
O preço dos medicamentos sujeitos a receita médica é determinado pela média dos preços praticados nos países de referência, que são revistos anualmente e, no caso de Portugal, desde 2019 são: Eslovénia, Espanha, França e Itália. No entanto, a margem média das farmácias nesses países é 35,9% superior à remuneração das farmácias em Portugal. O atual modelo de remuneração associado à dispensa de medicamentos, pode, assim, colocar em risco a sustentabilidade da rede de farmácias, bem como o acesso dos utentes às terapêuticas e a cuidados de saúde mais próximos, devendo ser revisto e complementado com outras linhas de remuneração por serviços.3
As farmácias comunitárias pretendem responder aos desafios atuais do setor com a disponibilização de uma gama de serviços inovadores e de soluções pioneiras que atendam à crescente procura.
Através da definição de modelos de remuneração sustentáveis, que priorizem o valor acrescentado dos serviços farmacêuticos para as pessoas e para o sistema, as farmácias comunitárias podem continuar a apoiar, de forma efetiva e adequada, os sistemas de saúde em que se inserem.
Em muitos países, a remuneração das farmácias comunitárias está a evoluir no sentido de complementar o modelo de remuneração associado à dispensa de medicamentos com a contratualização de serviços, por meio de modelos de remuneração baseados em valor, e que promovem a integração das farmácias no sistema de saúde. O desenvolvimento de modelos de remuneração justos e sustentáveis para as farmácias comunitárias visa refletir a importância da contribuição destas para sistemas de saúde mais centrados nas pessoas, promovendo a cobertura universal da saúde, reduzindo as desigualdades sociais e de saúde e atendendo às necessidades das pessoas.
1. Chan P, Grindrod KA, Bougher D, et al. A systematic review of remuneration systems for clinical pharmacy care services. Canadian Pharmacists Journal 2008;141:102–12. doi:10.3821/1913-701x(2008)141[102:asrors]2.0.co;2. 2. Teixeira I. Regulação, eficiência e acesso à saúde e a medicamentos : margens de comercialização em países europeus. http://www.ipea.gov.br Published Online First: 2017. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/7983 (accessed 15 Mar 2023). 3. Associação Nacional das Farmácias. Contributo das Farmácias Para a Sustentabilidade e Resiliência do Serviço Nacional de Saúde: Propostas Para Reforçar a Prestação de Cuidados de Saúde em Portugal. 2021;:1–12.