Em 2019, nos países da OCDE, ocorreram cerca de três milhões de mortes prematuras em indivíduos com idade inferior a 75 anos (cerca de um quarto número do total de mortes) que poderiam ter sido evitadas através de melhores estratégias de prevenção e intervenções em saúde. Deste valor, cerca de 1,9 milhões de mortes seriam evitáveis através de estratégias de prevenção primária e de ações em saúde pública mais eficientes. Cerca de um milhão seriam tratáveis por cuidados e intervenções em saúde mais efetivos e oportunos. Os rastreios, para além de promoverem a saúde da população através do aumento da literacia e do controlo de fatores de risco, permitem a deteção precoce de situações de doença.1-3
Ao considerar as principais causas de morte nos países da OCDE – como o cancro ou as doenças respiratórias –, verifica-se que estas são também as principais fontes de morbilidade nesses países, e que algumas destas poderiam ser prevenidas através da alteração de fatores de risco como os hábitos tabágicos, o consumo de álcool, a obesidade e a reduzida atividade física.1 Em vários países da Europa as farmácias têm estas intervenções protocoladas e contratualizadas com o Estado. A título de exemplo destaca-se em França o envolvimento das farmácias na identificação de fatores de risco e na promoção do rastreio do cancro colorretal, que visa aumentar a participação da população e contribuir para a deteção precoce da doença.1,4
Segundo a OMS, o rastreio define-se como a “identificação presumível de indivíduos não reconhecidos com a doença por meio de exames ou outros procedimentos que possam ser aplicados rapidamente. O rastreio é destinado a todas as pessoas, numa população-alvo identificada, que não apresentam sintomas da doença ou condição, sendo assim rastreada”.5
A evidência demonstra que os programas de rastreios populacionais originam uma série de benefícios, como por exemplo:
1) Identificação precoce da presença de indicadores de risco de doença crónica, permitindo a deteção e efetivo controlo numa fase inicial;
2) Identificação atempada de problemas de saúde, permitindo uma intervenção mais efetiva, prevenindo complicações;
3) Acesso a dados longitudinais, que poderão ser trabalhados de modo a investir na geração de evidência.6
Os rastreios devem ser feitos com o intuito de promover ganhos em saúde para as pessoas e sempre numa ótica de esclarecimento dos resultados e encaminhamento para o nível de cuidados mais adequado a cada situação.6,7
As farmácias comunitárias podem ser um importante interveniente do sistema de saúde a nível dos rastreios populacionais, de acordo com as necessidades da comunidade envolvente e em colaboração com os restantes serviços de saúde.2,3,8
Para este efeito, as farmácias devem ser dotadas de equipamentos e recursos tecnológicos que permitam efetuar o controlo dos parâmetros de saúde que contribuam para a deteção precoce de doenças (ex. testes point-of-care) e a referenciação através de “via verde” para o serviço de saúde mais indicado, sempre que necessário. Estas posicionam-se como ponto de acesso a um espetro alargado da população, permitindo que sejam uma porta para a sinalização, acesso e prestação de serviços de saúde, sendo este fator predominante com o objetivo de reduzir as iniquidades no acesso aos cuidados de saúde.69,72,78 Esta ação pode também abranger, por exemplo, a realização de rastreios dermatológicos.
Em Portugal, a propósito e como referido anteriormente, no Projeto-piloto Fast-Track Cities, os utentes que realizaram voluntariamente rastreios às infeções por HIV, HCV e HBV apontam, como motivos para escolher a farmácia para realizar o teste, o reduzido tempo de espera, a privacidade no atendimento e a confiança no aconselhamento e competência do farmacêutico.9
A realização de rastreios em farmácia comunitária, permite um acesso equitativo às pessoas na realização de um conjunto de testes.
1. OECD (2021). Health at a Glance 2021: OECD Indicators. 2021. doi:10.1787/ae3016b9-en. 2. Pharmaceutical Group of the European Union. Pharmacy 2030: A Vision for Community Pharmacy in Europe. Brussels: 2019. 3. Pharmaceutical Group of the European Union (PGEU). Community pharmacy, a public health hub. Annual Report 2016. PGEU. 4. Dépistage organisé du cancer colorectal. https://www.elsevier.com/fr-fr/connect/ paramedicaux-pro/depistage-organise-du-cancer-colorectal (accessed 6 Sep 2023). 5. WHO Regional Office for Europe. Screening programmes: a short guide. Increase effectiveness, maximize benefits and minimize harm. Copenhagen: 2020. 6. The Pharmaceutical Society of Ireland (PSI). Future Pharmacy Practice in Ireland. Meeting Patients’ Needs. Dublin: 2016. 7. Gorostiza I, López de Landache IE, Braceras Izagirre L. Programa de cribado de VIH/ sida en las oficinas de farmacia en la Comunidad Autónoma del País Vasco. Gac Sanit 2013;27:164–6. doi:10.1016/j.gaceta.2012.02.010. 8. Pharmaceutical Group of the European Union (PGEU). PGEU Best Practice Paper: Communicable Diseases and Vaccination. 2018. https://www.pgeu.eu/wp-content/ uploads/2019/04/PGEU-Best-Practice-Paper-on-Communicable-Diseases-and-Vaccination.pdf. 9. Figueira I, Teixeira I, Rodrigues AT, et al. Point-of-care HIV and hepatitis screening in community pharmacies: a quantitative and qualitative study. Int J Clin Pharm 2022;44:1158–68. doi:10.1007/S11096-022-01444-1.