Segundo a OMS, a automedicação é a utilização de medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM) no tratamento de doenças ou sintomas diagnosticados pela própria pessoa. Quando praticada de forma consciente e responsável, conduz a uma melhoria da qualidade de vida da pessoa, o que, por sua vez, tem um efeito positivo sobre a saúde da comunidade com poupanças diretas e indiretas para o sistema de saúde. Um estudo estimou que a transferência de 5% dos medicamentos sujeitos a receita médica (MSRM) para a categoria de MNSRM em sete países europeus resultaria numa poupança global de mais de 16 mil milhões de euros, com impacto também na eficiência dos sistemas de saúde, contribuindo para a melhoria da qualidade dos serviços prestados.1,2
Contudo, no contexto da automedicação, a ocorrência de incidentes relacionados com a medicação é uma preocupação acrescida. Alguns grupos da população apresentam um maior nível de vulnerabilidade face a problemas com os MNSRM, como é o caso da população mais jovem e da população mais idosa, e, neste último grupo em particular, as pessoas polimedicadas. A suscetibilidade à automedicação, a utilização desapropriada de MNSRM, a idade avançada ou a polimedicação são fatores que favorecem o risco de ocorrência de eventos adversos com medicamentos. A utilização de MNSRM é uma realidade que deverá ser monitorizada e sujeita aos devidos alertas, reforçando-se a importância da realização de ações de consciencialização à população, com vista a alertar para a importância da intervenção de um profissional de saúde, de modo a assegurar um aconselhamento técnico e científico acerca das opções terapêuticas disponíveis, bem como das corretas condições de utilização.3
Foi neste contexto que foram estabelecidos, em Portugal, os Medicamentos Não Sujeitos a Receita Médica de dispensa Exclusiva em Farmácia (MNSRM-EF), uma subcategoria dos MNSRM.4 Os MNSRM-EF são medicamentos que embora possam ser dispensados sem prescrição médica, a respetiva dispensa é condicionada à intervenção do farmacêutico e à aplicação de protocolos de dispensa. Estes são uma ferramenta fundamental na intervenção farmacêutica na gestão de situações clínicas ligeiras, proporcionando uma resposta efetiva às necessidades de saúde das pessoas, ao mesmo tempo que contribuem para uma redução da pressão e congestão dos serviços de saúde, libertando recursos para outras intervenções, assegurando a referenciação para o médico em situações específicas, graves e contínuas.4
Os farmacêuticos, nas farmácias, devem ser reconhecidos como a principal fonte de informação fidedigna sobre o medicamento e, através das orientações farmacêuticas, contribuir para garantir a segurança e o uso racional dos MNSRM, aumentando a consciencialização das pessoas para os benefícios e riscos associados. Por exemplo, na Suécia, devido a razões de segurança, a dispensa de paracetamol foi novamente restrita às farmácias, e, no Reino Unido, as embalagens foram redimensionadas devido ao aumento do número de suicídios utilizando esta mesma substância.1,2,5
Seguindo o exemplo de outros países, considera-se que a lista atual de MNSRM-EF, deve ser analisada e repensada, refletindo sobre o alargamento dos medicamentos incluídos nesta categoria (através da reclassificação de determinados MSRM em MNSRM-EF e de MNSRM em MNSRM-EF), os quais, pelas suas características e indicações terapêuticas, devem ser dispensados sob a supervisão de um farmacêutico, tendo como objetivo central assegurar a utilização segura e racional dos medicamentos.
Adicionalmente, os farmacêuticos, nas farmácias, devem encarar a dispensa de MNSRM como uma oportunidade de intervenção, assegurando que as pessoas tiram o melhor benefício da terapêutica com o menor risco, promovendo uma utilização responsável sendo, em complementaridade, de extrema importância integrar a vigilância e o acompanhamento das pessoas durante e após o tratamento.1,2,5,6
1. Paulino E. Medicamentos Não Sujeitos a Receita Médica: Compatibilizando Acesso e Segurança. Acta Med Port 2016;29:495–6. doi:10.20344/amp.8231. 2. Oleszkiewicz P, Krysinski J, Religioni U, et al. Access to Medicines via Non-Pharmacy Outlets in European Countries-A Review of Regulations and the Influence on the Self-Medication Phenomenon. Healthcare (Basel) 2021;9:123. doi:10.3390/healthcare9020123. 3. Ordem dos Farmacêuticos. Recomendações da Ordem dos Farmacêuticos para o Uso Responsável do Medicamento. 2016. 4. Infarmed IP. Lista de DCI identificadas pelo Infarmed como MNSRM-EF e respetivos protocolos de dispensa. https://www.infarmed.pt/web/infarmed/entidades/medicamentos-uso-humano/autorizacao-de-introducao-no-mercado/alteracoes_transferencia_titular_aim/lista_dci (accessed 12 Mar 2023). 5. Martins AP, Gonçalves E, Marcelo A, et al. Medicamentos Não Sujeitos a Receita Médica de Dispensa Exclusiva em Farmácia em Portugal: Uma Oportunidade de Acesso Sub-Aproveitada? Acta Med Port 2016;29:542–8. doi:10.20344/amp.7465. 6. Veiga P, Lapão L V, Cavaco AM, et al. Quality supply of nonprescription medicines in Portuguese community pharmacy: An exploratory case study. Research in Social and Administrative Pharmacy 2015;11:880–90. doi:10.1016/j.sapharm.2014.12.009.