Dimensão II

Estima-se que cada pessoa gera, em média, cerca de 80 megabytes, por ano, em registos de saúde eletrónicos e de imagiologia, dispersos pelos vários agentes do ecossistema.1

Em Portugal, como em outros países, cada farmácia comunitária tem, no seu software, o registo eletrónico em que consta informação sobre o histórico de dispensa de medicamentos e serviços prestados. O sistema pode ainda registar informação clínica, mais ou menos estruturada, como determinações de parâmetros clínicos ou bioquímicos (ex.: pressão arterial, glicemia, etc.), comorbilidades (auto reportadas) ou alergias a medicamentos. À medida que o leque de serviços disponibilizados pelas farmácias comunitárias se expande, também a sua capacidade de registo de dados sobre as pessoas aumenta – em volume e diversidade –, podendo incorporar até dados mais qualitativos, como observações, questionários, notas de aconselhamento farmacológico ou não farmacológico e dados sobre outros fatores socioeconómicos e ambientais que influenciam a saúde do utente.2 Contudo, estes registos não são partilhados entre as diferentes farmácias e/ou serviços de saúde de forma frequente e estruturada. Da mesma forma, os registos realizados em outros locais do sistema de saúde, como os centros de saúde ou os hospitais, públicos ou privados, não são partilhados com as farmácias. O relatório de um inquérito realizado pela FIP, em 2020, a organizações profissionais farmacêuticas de 79 países revelou que, em cerca de 23% dos países que responderam ao questionário, os farmacêuticos comunitários já têm acesso aos registos de saúde partilhados. Nos países em que os farmacêuticos podiam aceder a estes registos, os níveis de acesso variavam: alguns países têm acesso à leitura completa dos registos clínicos dos utentes (o que denota um acesso total, mas unidirecional), enquanto outros podiam apenas aceder ao histórico da medicação.3

Um estudo identificou que os registos de saúde eletrónicos poderiam ter sido utilizados para resolver 39% das questões detetadas durante a realização de um serviço de revisão da medicação. Nesses casos, as informações sobre o histórico, notas clínicas, diagnóstico, alergias e resultados laboratoriais incluídas nos registos de saúde eletrónico dariam resposta às questões do farmacêutico, dispensando o contacto com a pessoa e/ ou prescritor.4 Outro exemplo de como o acesso e detalhe dos registos pode comprometer a segurança na utilização de medicamentos está relacionado com a alarmística de segurança dos sistemas de dispensa/prescrição. Um estudo em farmácias comunitárias holandesas concluiu que os registos eletrónicos dos utentes em análise se encontravam incompletos ou desatualizados relativamente a medicamentos sujeitos a receita médica (em 14% dos utentes), diagnósticos (em 83%) e intolerâncias ou alergias (em 16% dos casos). Como consequência, o sistema não desencadeou alertas de segurança sobre contraindicações, duplicações ou interações medicamentosas em 38% das pessoas.5 Com efeito, a utilização de um registo de saúde eletrónico partilhado com as farmácias comunitárias pode contribuir para a melhoria na prestação de cuidados de saúde à pessoa, apresentando benefícios

1) na identificação de problemas relacionados com medicamentos, possíveis reações adversas aos medicamentos ou precauções/contraindicações;
2) na monitorização da adesão terapêutica e identificação de pessoas sem acesso atempado à medicação; ou
3) no acompanhamento a pessoas com doença crónica.4,6,7 

No sentido inverso, o acesso aos registos da farmácia pelos restantes profissionais de saúde possibilitaria uma monitorização mais estreita do comportamento do utente em relação aos medicamentos (adesão e segurança) e o acesso a dados de acompanhamento no contexto da farmácia (parâmetros clínicos e bioquímicos, patient-reported outcomes, etc.), evitando, assim, a duplicação de esforços.6

Neste sentido, o acesso aos dados em saúde deverá ser promovido pela utilização e partilha dos dados clínicos por parte dos farmacêuticos comunitários, através de consulta e registo no Registo de Saúde Eletrónico da pessoa, como forma de integração na partilha de informação entre os vários níveis de cuidados, visando a otimização da qualidade e segurança dos cuidados de saúde no geral e a promoção da intervenção profissional dos farmacêuticos.3,8,9

Observando as práticas internacionais, o Reino Unido e a Austrália foram dois países pioneiros em garantir a interoperabilidade entre os Sistemas Nacionais de Saúde e as farmácias comunitárias através da utilização de plataformas digitais, criando o “Summary Care Records” (SCR) e o “My Health Record” (MyHR), respetivamente.10-13 O “Summary Care Records” (SCR) é um registo de saúde eletrónico, criado automaticamente (exceto em situação de não autorização por parte da pessoa) a partir dos registos clínicos e acessível por todos os profissionais de saúde autorizados, durante a prestação de cuidados de saúde. O “My Health Record” (MyHR) é um registo de saúde eletrónico concebido para integrar nos sistemas informação clínica existentes. Estas plataformas apoiam o acesso à informação-chave sobre a saúde das pessoas, pelos seus prestadores de cuidados de saúde e, em ambos os casos, os farmacêuticos comunitários têm acesso ao registo de saúde eletrónico para consulta durante a prestação de cuidados ou para atualização de informação.10-12 A integração e partilha de dados comporta alguns desafios do ponto de vista da governance, transparência, qualidade e segurança. Segundo a OMS, “esse acesso requer uma estrutura abrangente para governança de dados que defina as condições de acesso aos dados, incluindo as salvaguardas apropriadas, as responsabilidades e funções dos usuários de dados e os princípios de partilha de benefícios”.14 Do ponto de vista do utente, o público parece favorável à partilha dos seus dados no contexto da prestação de cuidados, tendo em vista a otimização dos cuidados que recebe e suportada numa relação de confiança com o profissional de saúde. Ainda assim, este novo paradigma requer um trabalho de literacia e capacitação da pessoa para compreender e gerir, com autonomia, a partilha dos seus dados e assegurar o exercício de todos os seus direitos enquanto titular dos mesmos.15-18

O PGEU, no seu position paper sobre a proposta da Comissão Europeia para o Espaço Europeu de Dados de Saúde (EHDS), defende que a otimização da geração, recolha e interoperabilidade dos dados pode ser usada para otimizar a terapêutica da pessoa e promover conselhos personalizados. Uma maior interoperabilidade contribuirá também para otimizar o potencial da receita eletrónica e apoiar a colaboração interprofissional e a continuidade de cuidados.19 Apesar dos seus desafios, o acesso a dados em saúde é essencial para uma prestação de cuidados de saúde mais colaborativa, multidisciplinar e efetiva e progressivamente mais centrada na pessoa e nas suas necessidades específicas. São de assinalar ainda os benefícios do ponto de vista da saúde pública, ilustrados pela partilha de resultados de testes de antigénio SARS-CoV-2, que contribuiu para a monitorização e resposta à crise de saúde.

1. Suter-Crazzolara C. Better Patient Outcomes Through Mining of Biomedical Big Data. Frontiers in ICT 2018;5. doi:10.3389/fict.2018.00030. 2. Loria K. How Has the Evolution of Data Changed Independent Pharmacy? Drug Topics 2022. https://www.drugtopics.com/view/how-has-the-evolution-of-data-changed-independent-pharmacy (accessed 8 Mar 2023). 3. International Pharmaceutical Federation. Online pharmacy operations and distribution of medicines. The Hague: 2021. www.fip.org (accessed 7 Mar 2023). 4. Roberts MF, Reeves K, Divine H. Community pharmacists’ lack of access to health records and its impact on targeted MTM interventions. Journal of the American Pharmacists Association 2019;59:S81–4. doi:10.1016/j.japh.2019.04.023. 5. Floor-Schreudering A, Heringa M, Buurma H, et al. Missed Drug Therapy Alerts as a Consequence of Incomplete Electronic Patient Records in Dutch Community Pharmacies. Annals of Pharmacotherapy 2013;47:1272–9. doi:10.1177/1060028013501992. 6. Wright DJ, Twigg MJ. Community pharmacy: an untapped patient data resource. Integr Pharm Res Pract 2016;5:19–25. doi:10.2147/IPRP.S83261. 7. Krauss ZJ, Abraham M, Coby J. Clinical Pharmacy Services Enhanced by Electronic Health Record (EHR) Access: An Innovation Narrative. Pharmacy (Basel) 2022;10:170. doi:10.3390/pharmacy10060170. 8. Carroll JC, Renner HM, McGivney MS, et al. Using prescription dispensing data infographics to facilitate collaborative pharmacist-prescriber discussions on mutual patients. Journal of the American Pharmacists Association 2019;59:232-237.e1. doi:10.1016/j.japh.2018.11.014 9. Moussa L, Benrimoj S, Musial K, et al. Data-driven approach for tailoring facilitation strategies to overcome implementation barriers in community pharmacy. Implement Sci 2021;16:73. doi:10.1186/s13012-021-01138-8. 10. Summary Care Record in community pharmacy - NHS Digital. https://digital.nhs. uk/services/summary-care-records-scr/summary-care-record-scr-in-community-pharmacy (accessed 24 Jul 2023). 11. My Health Record for healthcare providers | Australian Digital Health Agency. https://www.digitalhealth.gov.au/healthcare-providers/initiatives-and-programs/my-health-record (accessed 24 Jul 2023). 12. Pharmaceutical Society of Australia. Digital Health Guidelines For Pharmacists. 2021. 13. Pires C. Medical Records in Community Pharmacies: The Cases of UK and Australia. Foundations 2022;2:399–408. doi:10.3390/foundations2020027. 14. Vayena E, Dzenowagis J, Brownstein JS, et al. Policy implications of big data in the health sector. Bull World Health Organ 2018;96:66–8. doi:10.2471/BLT.17.197426 15. Understanding Patient Data. Public attitudes to patient data use: A summary of existing research. 2018. 16. Juga J, Juntunen J, Koivumäki T. Willingness to share personal health information: impact of attitudes, trust and control. Records Management Journal 2021;31:48–59. doi:10.1108/rmj-02-2020-0005. 17. Belfrage S, Lynöe N, Helgesson G. Willingness to Share yet Maintain Influence: A Cross-Sectional Study on Attitudes in Sweden to the Use of Electronic Health Data. Public Health Ethics 2020;14:23–34. doi:10.1093/phe/phaa035. 18. Whiddett R, Hunter I, Engelbrecht J, et al. Patients’ attitudes towards sharing their health information. Int J Med Inform 2006;75:530–41. doi:10.1016/j.ijmedinf.2005.08.009. 19. Pharmaceutical Group of the European Union (PGEU). Position Paper on the European Health Data Space. 2022.

Promoção da integração tecnológica e da interoperabilidade de dados entre as farmácias e outras instituições de saúde (cuidados de saúde primários e hospitais), do SNS ou do setor privado para partilha sistematizada de informação clínica e de notas terapêuticas.

Participação das farmácias na discussão da arquitetura dos sistemas do SNS, assegurando as condições para integração dos sistemas, partilha e registo de informação relevante.

Investimento em ferramentas de visualização de dados na farmácia comunitária que permitam aos farmacêuticos retirar insights relevantes para a sua prática e organização, tanto ao nível individual (utente) como populacional (comunidade que atende à farmácia).

Sinergias de informação entre os sistemas de informação da rede de farmácias (intra Sifarma® e com outros softwares utilizados em farmácia comunitária).

Garantia de interoperabilidade entre os sistemas de informação e outras tecnologias de saúde digitais.

Investimento na literacia sobre dados em saúde junto dos utentes das farmácias comunitárias e investigação das suas perceções, atitudes e preferências em relação à partilha dos seus dados em saúde com outras farmácias, profissionais e instituições.

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

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