Em Portugal, em 2021, cerca de 43,9% da população com 16 anos ou mais vivia com, pelo menos, uma doença crónica ou problema de saúde prolongado (existente há mais de 6 meses), mais 0,7 p.p. do que em 2020 e mais 2,7 p.p. do que em 2019. Esta situação era mais frequente nas mulheres (47%) do que nos homens (40,4%) e particularmente prevalente entre pessoas idosas (71,4%).1 Adicionalmente, estimativas com dados de 2015, apontam para uma prevalência de multimorbilidade (presença de duas ou mais doenças crónicas) na população portuguesa de cerca de 38,3%, afetando mais de um terço da população.2
O medicamento é um pilar fundamental no controlo das doenças crónicas. Contudo, a literatura revela que cerca de 50% das pessoas que vivem com doença crónica não aderem à terapêutica prescrita, sendo que uma das razões apontadas é a falta de acesso a uma prescrição em tempo útil.3 As consequências da não adesão à terapêutica apresentam impactos muito significativos – tais como complicações e sofrimento evitáveis –, para os sistemas de saúde e para a sociedade em geral.4
A esta realidade acresce o facto de a renovação da terapêutica ser um dos principais motivos de deslocação das pessoas com doença ou dos seus cuidadores às unidades de cuidados de saúde primários, gerando uma sobrecarga destes serviços. Nas zonas rurais e mais isoladas, o acesso às prescrições pode ser ainda mais limitado.
Tirando partido da sua competência em farmacoterapia e da relação de proximidade com as pessoas que vivem com doença, os farmacêuticos, nas farmácias comunitárias, poderão garantir a avaliação da segurança e efetividade dos seus medicamentos, – particularmente em cada momento de renovação da terapêutica – registando a informação necessária e em estreita colaboração com os outros profissionais de saúde.
Durante a pandemia, as farmácias comunitárias foram essenciais para salvaguardar a continuidade das terapêuticas crónicas, tendo sido criado um regime excecional para a renovação destas prescrições médicas.
A nível internacional, o serviço de renovação da terapêutica pelos farmacêuticos comunitários tem sido implementado em vários países, como o Canadá, o Reino Unido e França. Nestes países, o farmacêutico está autorizado a renovar a prescrição, em estreita colaboração com o médico, num período pré-definido, antes de ser necessário a pessoa recorrer a uma nova consulta médica. O Canadá é o país com maior experiência na implementação deste serviço que, em muitas regiões, remonta a 2005. Em algumas destas regiões, o farmacêutico tem ainda autorização para adaptar a prescrição em colaboração com o prescritor. Em Inglaterra, a renovação da receita médica pela farmácia pode ser feita por um período máximo de um ano e ocorre também em estreita colaboração com a pessoa com doença e o médico. Antes de cada dispensa, é avaliado pelo farmacêutico se a pessoa mantém a necessidade do medicamento ou se existe alguma outra situação que deva impedir a dispensa. França é o país que mais recentemente implementou o serviço, após alteração legislativa decorrente da pandemia COVID-19.
À medida que vai sendo reforçada a necessidade de implementação de programas de renovação da terapêutica, devem ser explorados mecanismos que permitam aos farmacêuticos e aos médicos trabalharem, em conjunto, de forma mais efetiva. A intervenção deverá ser suportada pelo fluxo de informação digital, nomeadamente através dos registos eletrónicos de saúde dos utentes e da prescrição eletrónica. Tendo por base esta abordagem integrada, os farmacêuticos têm competências para renovar as prescrições, conforme acordado com o prescritor ou através da introdução de protocolos terapêuticos definidos.5-7
A aposta em políticas de reestruturação dos mecanismos atuais de renovação da medicação para modelos de proximidade, implementados nas farmácias comunitárias, propiciará melhores resultados em saúde e qualidade de vida, assim como uma utilização mais eficiente dos recursos do sistema de saúde. Existe evidência que demonstra resultados clínicos e económicos positivos, além de vantagens fundamentais para a pessoa com doença, nomeadamente: melhor experiência, acesso, adesão à terapêutica, entre outras. Estas medidas concorrem também para a inclusão da pessoa com doença e dos seus cuidadores nos processos de tomada de decisão, considerando as suas necessidades, perceções e preferências.8-10
1. Instituto Nacional de Estatística. Destaque: Rendimento e Condições de Vida - Estado de Saúde 2021. 2022. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=544264379&DESTAQUESmodo=2. 2. Quinaz Romana G, Kislaya I, Salvador MR, et al. Multimorbilidade em Portugal: Dados do Primeiro Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico. Acta Med Port 2019;32:30–7. doi:10.20344/amp.11227. 3. Kvarnstrom K, Airaksinen M, Liira H. Barriers and facilitators to medication adherence: a qualitative study with general practitioners. BMJ Open 2018;8:e015332. doi:10.1136/BMJOPEN-2016-015332. 4. World Health Organization. Adherence to long-term therapies: evidence for action. Geneva: 2003. 5. OECD (2021). Health at a Glance 2021: OECD Indicators. 2021. doi:10.1787/ae3016b9-en. 6. Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). Relatório de Primavera 2022: E agora? 2022. https://www.opssaude.pt/relatorios/relatorio-de-primavera-2022/. 7. European Medicines Agencies Network (EMA/HMA). European medicines agencies network strategy to 2025: Protecting public health at a time of rapid change. 2020. https://www.ema.europa.eu/en/documents/report/european-union-medicines-agencies-network-strategy-2025-protecting-public-health-time-rapid-change_en.pdf. 8. Pharmaceutical Group of the European Union. Pharmacy 2030: A Vision for Community Pharmacy in Europe. Brussels: 2019. 9. Patti M, Renfro CP, Posey R, et al. Systematic review of medication synchronization in community pharmacy practice. Res Social Adm Pharm 2019;15:1281–8. doi:10.1016/j. sapharm.2018.11.008. 10. White ND. Pharmacy Medication Synchronization Service Works to Improve Medication Adherence. Am J Lifestyle Med 2016;10:385–7. doi:10.1177/1559827616660687.