Dimensão I

As infeções pelos vírus da imunodeficiência humana (VIH), hepatite C (HCV) e hepatite B (HBV) continuam a ser um dos principais problemas de saúde pública a nível mundial, representando encargos económicos elevados. Em 2020, quase 38 milhões de pessoas viviam com VIH, 296 milhões e 58 milhões de pessoas com infeção crónica pelo HBV e HCV, respetivamente.1 Em 2019, o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) dava conta no seu relatório com referência aos dados de 2017, que o número de novas infeções por VHB diagnosticadas e notificadas em 30 países da Europa, incluindo Portugal, continua elevado, sendo a maioria infeções crónicas (58%). Desde a implementação do Portal da Hepatite C do INFARMED e até 30 de junho de 2019, cerca de 25.000 pessoas foram assinaladas como vivendo com infeção crónica por VHC.2

Em linha com a OMS, que definiu como metas a redução em 90% do número de novos casos de infeção por hepatite B e C e a redução da mortalidade associada a essas infeções em 65% até 2030, Portugal pretende eliminar as hepatites virais B e C minimizando as suas consequências até 2030 enquanto problema de saúde pública. Em relação ao VIH, a estratégia global da OMS, no período de 2022 a 2030, tem como objetivo a redução do número de infeções de 1,5 milhões em 2020 para 335 mil até 2030, e do número de mortes de 680 mil em 2020 para menos de 240 mil em 2030.

O rastreio é a principal estratégia para a deteção precoce destas infeções, permitindo a atuação através de um tratamento precoce, reduzindo o risco de transmissão e a progressão para fases crónicas, bem como a mortalidade associada contribuindo, simultaneamente, para a sensibilização da população sobre os comportamentos de risco.1,3,4 Adicionalmente, a OMS recomenda a implementação de ações para aumentar o acesso à profilaxia de pré-exposição ao VIH (PrEP), que constitui uma ferramenta importante para interromper a transmissão e reduzir a incidência da infeção.5

Face a estes objetivos de desenvolvimento e no contexto da reorganização e expansão do acesso ao rastreio e diagnóstico precoce das infeções sexualmente transmissíveis, hepatites virais e VIH, urge reforçar o papel das farmácias comunitárias neste âmbito.

Num documento publicado pela Federação Internacional Farmacêutica (FIP) denominado “Objetivos de Desenvolvimento – Transformar a Farmácia a Nível Global”, o objetivo de desenvolvimento dezasseis incide nas doenças transmissíveis, com recomendação da criação de estruturas de educação e formação, apostando no desenvolvimento da capacitação dos farmacêuticos para prestação de serviços diferenciados no contexto das doenças transmissíveis; do desenvolvimento de estratégias e centradas nas pessoas, bem como de serviços focados na prevenção, vigilância e gestão terapêutica; e do aumento a capacidade de monitorização e resposta em alinhamento com abordagens inovadoras desenvolvidas para prevenção e tratamento.6

A ação dos farmacêuticos, nas farmácias, na promoção do cumprimento dos objetivos de redução da incidência e mortalidade das infeções sexualmente transmissíveis e de hepatites virais deve incluir, por um lado, a identificação e referenciação de pessoas para os serviços de saúde e, em articulação com as restantes entidades locais ou do ecossistema de saúde, o desenvolvimento e participação em campanhas e iniciativas de promoção da saúde pública ao nível local, regional ou nacional.7,8 Adicionalmente, os farmacêuticos encontram-se preparados para realizar a dispensa da PrEP.

Os benefícios das intervenções realizadas pelos farmacêuticos, no âmbito da monitorização e da redução de comportamentos de risco associados a infeções sexualmente transmissíveis, hepatites virais e VIH, têm vindo a ser demonstrados ao longo dos últimos anos, com indicadores elevados de satisfação das pessoas neste tipo de intervenções.3,4

Como parte da Iniciativa internacional Fast-Track Cities, foi iniciado em outubro de 2018, um projeto-piloto nas farmácias do Município de Cascais, que abrangia pessoas com 18 ou mais anos de idade que solicitassem a realização dos testes de rastreio para o HIV e hepatites virais. O objetivo era caracterizar a população utilizadora do serviço, os seus comportamentos e motivações para a testagem, assim como identificar facilitadores e barreiras no acesso à testagem nas farmácias comunitárias. Durante 15 meses, após formação específica dos farmacêuticos e garantidas as condições que asseguravam a confidencialidade e privacidade da prestação do serviço, foram realizados 1.422 testes a 808 indivíduos, em 21 farmácias aderentes. Nos 569 questionários recolhidos, a principal razão elencada para a realização dos testes foi a relação sexual desprotegida (52,6%), seguida do facto de nunca se terem testado (23,9%), de terem feito uma tatuagem ou colocado um piercing (5,6%) ou de terem tido uma relação sexual com uma pessoa infetada (4,0%). Os utilizadores valorizaram particularmente a velocidade, a privacidade e confiança no conhecimento do farmacêutico. A realização dos testes rápidos nas farmácias sugere melhorar a acessibilidade da população, em particular para aqueles que são testados pela 1ª vez, jovens, heterossexuais e alguns migrantes, com potencial para diminuir as desigualdades. Foi referido também que os testes de rastreio deviam incluir uma ligação mais fácil aos serviços para testes de confirmação dos resultados e acompanhamento das pessoas, dado que, para além de adicionar valor ao sistema de saúde, é crítico para os resultados das pessoas.9

Nos Estados Unidos, foi publicada em 2022 uma revisão sistemática que teve como objetivo a avaliação do sistema de distribuição da PrEP através das farmácias comunitárias face aos sistemas atuais, de modo a expandir o acesso da população a este serviço. Identificou-se que a disponibilização da PrEP nas farmácias apresenta potenciais benefícios na redução das barreiras ao acesso, na melhoria da autonomia das pessoas, no aumento da adesão e do nível de cobertura da população. Adicionalmente, esta medida também foi identificada como uma forma de chegar às pessoas que poderiam beneficiar da PrEP mas que não se sentem à vontade noutras estruturas de saúde.5,10

 

 

  1. Kehrer JP, James DE. The Role of Pharmacists and Pharmacy Education in Point-of-Care Testing. Am J Pharm Educ 2016;80:129. doi:10.5688/ajpe808129. 2. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional Para As Hepatites Virais. Lisboa: 2019. 3. Pharmaceutical Group of the European Union (PGEU). PGEU Best Practice Paper: Communicable Diseases and Vaccination. 2018. https://www.pgeu.eu/wp-content/ uploads/2019/04/PGEU-Best-Practice-Paper-on-Communicable-Diseases-and-Vaccination.pdf 4. The Pharmaceutical Society of Ireland (PSI). Future Pharmacy Practice in Ireland. Meeting Patients’ Needs. Dublin: 2016. 5. World Health Organization. Consolidated guidelines on HIV prevention, testing, treatment, service delivery and monitoring: recommendations for a public health approach, 2021 update. Geneva: 2021. https://apps.who.int/iris/handle/10665/342899 (accessed 7 Jul 2023). 6. International Pharmaceutical Federation (FIP). The FIP Development Goals: Transforming global pharmacy. The Hague: 2020. 7. Pharmaceutical Group of the European Union. Pharmacy 2030: A Vision for Community Pharmacy in Europe. Brussels: 2019. 8. Pharmaceutical Group of the European Union (PGEU). Community pharmacy, a public health hub. Annual Report 2016. PGEU. 9. Figueira I, Teixeira I, Rodrigues AT, et al. Point-of-care HIV and hepatitis screening in community pharmacies: a quantitative and qualitative study. Int J Clin Pharm 2022;44:1158–68. doi:10.1007/S11096-022-01444-1. 10. Meyerson BE, Dinh Jr PC, Agley JD, et al. Predicting Pharmacist Dispensing Practices and Comfort Related to Pre-exposure Prophylaxis for HIV Prevention (PrEP). AIDS Behav 2019;23:1925–38. doi:10.1007/s10461-018-02383-7.

Dispensa da profilaxia de pré-exposição ao VIH (PrEP) nas farmácias comunitárias.

Integração das farmácias comunitárias na estratégia nacional de rastreio e diagnóstico precoce de hepatites virais e VIH, através da disponibilização do serviço de testagem rápida nas mesmas condições das demais estruturas de saúde e de vias formais de referenciação das pessoas, mediante contratualização com o SNS.

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

Eixos de desenvolvimento

1 Afirmação da farmácia enquanto espaço de saúde e bem-estar na jornada de saúde da pessoa

2 Transformação digital ao serviço das farmácias e das pessoas

3 Geração de evidência científico-profissional em saúde

4 Valorização das equipas e da profissão

5 Promoção da coesão territorial como resposta aos determinantes sociais em saúde

6 Promoção da sustentabilidade económico-financeira

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